Choque, desespero e esperança. Essas foram algumas das palavras mais utilizadas para descrever a montanha-russa de emoções que invadem o coração dos pais ao descobrirem a ausência ou a necessidade da amputação dos membros corporais dos filhos.

Estima-se que por mês, 24 bebês nascem sem uma parte do corpo, e, em relação à amputação infantil, a estatística vem aumentando com o passar dos anos. Diante essa realidade, é comum o questionamento quanto ao impacto da deficiência na vida da criança e dos familiares.

Confira as histórias emocionantes da Ana Paula Maciel, Sirlene de Jesus, Maria Marta Figueiredo, Carla Baggio Laperuta Fróes, Aline Ramos, Izabel Cristina da Silva e Vanessa Soares da Silva, mães das crianças que ilustram o Calendário Infância Sem Limites 2019 e  superaram inúmeros desafios para proporcionar qualidade de vida aos seus pequenos guerreiros.

O DIAGNÓSTICO

Em relação às malformações congênitas, é através do ultrassom gestacional que as principais doenças e síndromes são detectadas.

No caso da Sirlene, mãe do Caleb que ilustra o mês de Abril, o ultrassom não conseguiu diagnosticar nenhum problema e foi apenas no dia do nascimento que ela descobriu que o filho não tinha uma das pernas.

“Naquela hora, meu mundo caiu. Não tenho histórico de malformação na minha família, por isso não conseguia acreditar no que estava acontecendo”, relata.

Pedro de 7 anos. 

Já para Marta, mãe de Pedro que estampa o mês de Março, a agenesia do membro superior foi diagnosticado logo no segundo ultrassom.

“Com 20 semanas, após muito suspense, a médica disse que meu filho nasceria sem o antebraço e a mão direita. Foi um choque tremendo. O choro incontido foi minha forma de expressar a tristeza. Mas com o passar dos dias, meu coração foi acalmando e a plenitude que a gravidez nos proporciona foi retornando aos poucos”, desabafa.

Betina
Bettina e a irmã.

Para Carla, mãe da Bettina de 3 aninhos e representante do mês de Janeiro, o diagnóstico aconteceu no quinto mês de gestação.

“Foi um susto imenso! Meu marido estava gravando a consulta quando recebemos a informação. Meu primeiro pensamento foi: ‘meu deus, minha filha não vai andar, não vai correr, não vai ao pula-pula’, mas com o passar do tempo, percebi que se fosse só a falta da perninha, tava tudo bem, porque poderia ter sido pior”, conta.

Aline, mãe da Victória que nasceu sem três membros corporais e representa o mês de Dezembro, também recebeu a notícia durante o quinto mês de gestação. “Fiquei muito nervosa e impactada, não sabia o que fazer”, afirma.

A AMPUTAÇÃO

Arthur2
Arthur de 3 anos. 

Vanessa, mãe de Arthur que representa o mês de Agosto, decidiu se informar sobre a Hemimelia Fibular do filho para decidir qual o melhor caminho a ser seguido.

“Entrei em um grupo no Facebook e fui conversando com outros pais, e percebi que a malformação do meu filho não era assim tão ruim. Mas desde o nascimento dele eu sabia que teríamos que escolher entre o alongamento ósseo ou a amputação. Nós decidimos o que achamos ser melhor para nosso pequeno, mas confesso que fiquei com o coração apertado no dia da cirurgia, porque ele era muito novinho”, admite.

Simultaneamente com as complicações congênitas, os tumores ósseos também podem resultar na perda de membros corporais.

De acordo com o INCA (Instituto Nacional de Câncer), cerca de 8% das crianças e adolescentes entre 1 a 19 anos são vítimas de osteossarcoma.

Giovanna
Giovanna – 6 anos

Foi o que aconteceu com Giovanna, capa do mês de Setembro.

“Quando fiquei sabendo, abriu um buraco no chão, ela tinha apenas 8 anos! Foi quase um ano de quimioterapia e internações constantes. Vi minha filha chegar aos 16kg, até que o médico decidiu colocar uma endoprótese após retirar o tumor. Mas ela sentia muita dor, até que recebemos a notícia da amputação, porque já não tinha mais o que fazer. Quando ela disse ‘mamãe, minha dor foi embora junto da perna’, me senti mais calma. A maior realização comomãe, é ver minha filha bem”, explicou Izabel.

A ACEITAÇÃO

Aceitação é a palavra-chave que devemos ter em mente para superar qualquer tipo de situação, principalmente no que diz respeito à amputação.

Com o decorrer do tempo, a curiosidade das crianças tende a aumentar e a famosa “fase dos porquês” aparece. Por isso, pratique também a sinceridade ao responder os questionamentos do seu filho em relação à ausência dos membros.

“A Vivi tem muitas dúvidas, ela pergunta bastante ‘porque meu colega é assim e eu não?’, e sempre reforço a ideia de que ela não é incapaz ou diferente de ninguém, pelo contrário, minha filha faz tudo o que uma criança com os 4 membros consegue fazer também”, afirma Aline.

A sinceridade também foi um dos caminhos que Marta escolheu para responder às dúvidas de Pedro, de 7 anos.

Maria Eduarda
Maria Eduarda de 6 anos.

“Não vou dizer que foi fácil lidar com as primeiras perguntas, porque eu mesma precisava confiar e me convencer das próprias explicações. Mas sempre procuramos ir pelo lado da aceitação e dos exemplos de histórias de vida, para demonstrar para ele que o corpo apresenta desde diferenças simples às mais complexas, porém, sem impedir que a pessoa viva com plenitude”, explica.

Além da honestidade com os filhos, é importante que os pais desenvolvam a própria aceitação também.

“Eu achava que o Caleb fosse ficar sentadinho, sem grandes movimentos, mas ele já consegue andar de joelhos pela casa toda. Percebi que não era ele que tinha que se adaptar, era eu quem precisava”, diz Sirlene.

“Como mãe, quem ficou impactada foi eu. Mas a Giovanna tira de letra, ela tem muita fé em Deus e sabe que com a perseverança, tudo dará certo”, conta Izabel, mãe da menina que hoje tem 12 anos.

E recorrer a acompanhamentos psicoterápicos para superar os desafios psicológicos pós-amputação é um grande aliado também.

“Como a Maria Eduarda foi amputada ainda bebê, ela vai passar por cirurgias ao longo dos anos, porque o osso continua crescendo, formando uma espícula óssea que machuca a pele dela. Em 2017 ela fez pela primeira vez essa cirurgia. Foi uma fase de muita limitação e de uma recuperação dolorosa. Nesse período, ela questionou sobre a amputação e precisamos da ajuda de uma psicóloga”, informa Ana Paula.

Frequentar grupos de apoio também é uma ótima dica para aprender a lidar com ausência dos membros corporais dos filhos.

“Temos grupos de apoio, no qual pais de crianças com agenesia se encontram para darmos suporte àqueles novos pais que estão enfrentando tal desafio. Esse grupo ajuda muito, porque sei que a todo instante, outras pessoas passam pelo que passei”, diz Marta. Outro conselho que ela compartilha, é o de fazer acompanhamento com fisioterapeutas, médicos e terapeutas ocupacionais também.  

COMBATENDO O PRECONCEITO

Apesar dos momentos complicados e emocionantes que essas mães enfrentaram com o passar dos anos, o preconceito social e a falta de acessibilidade urbana são as maiores barreiras a serem vencidas.

4 abril

“Eu tenho medo, porque a sociedade é muito preconceituosa. Tem muita gente que faz um monte de pergunta, que olha torto e que tenta tocar na perninha do Caleb. Tratam como se ele tivesse aguma doença”, alega Sirlene.

Mesmo com os avanços tecnológicos que proporcionaram próteses ortopédicas modernas, que propiciam experiências até então inimagináveis aos amputados, como dançar samba, andar de salto alto e praticar exercícios de alto rendimento, muitas vezes as pessoas dizem frases que nenhum deficiente deveria ouvir.

“Antes mesmo de o Pedro nascer, já estava ciente que o maior desafio seria o preconceito. A todo instante eu imaginava se ele seria marginalizado por causa da deficiência e esse ainda é meu maior sofrimento. Algumas crianças preferem não brincar com ele, alguns adultos perdem a chance de explicar para os filhos a beleza que existe nas diferenças … Enfim, é difícil explicar quando ele diz: ‘mãe, porque eu não tenho mão?’ ou ‘porque você quis um filho feio?’. As vezes é difícil responder de um jeito que passe confiança. Mas esse é o propósito de minha família, passar para ele que não tem nada demais em ser diferente”, afirma Marta.

“Existe sim o preconceito, não podemos ser hipócritas. Mas acredito que a maioria dos olhares seja de desconhecimento. Tudo o que você desconhece, você estranha, né?”, diz Carla. “Eu sei que os problemas mais cedo ou mais tarde virão, mas a gente lida com isso da melhor maneira possível, porque estamos criando a Bettina de um jeito consciente. Sabemos que ela é capaz de fazer coisas que a gente nem imagina”, declara.

Além do preconceito, outro problema que a Aline enfrenta diariamente com Victória, é a falta de educação da população no geral.

“Não tem elevador nas plataformas de trem e onde moro não existe nenhum tipo de acessibilidade nas ruas. Quando ela usava cadeiras de rodas, os motoristas dos ônibus adaptados nunca nos ajudava. As pessoas nunca cedem lugar para ela sentar”, desabafa.

PROTETIZAÇÃO INFANTIL

As próteses ortopédicas infantis são uma ótima ferramenta de inclusão social para, uma vez que dão maior autonomia para os pequenos, garantindo os movimentos estáveis necessários que toda criança precisa para brincar.

Vitoria
Victória e a mãe Aline. 

“Antes das próteses, a Vitória ficava quietinha, no cantinho dela, porque não saia da cadeira de rodas. Mas hoje ela faz de tudo. Ela tinha muito medo de ficar em pé, mas hoje caminha para todo canto e tenho certeza que daqui a pouco já vai estar correndo. Minha filha me ensina muito todos os dias, ela é muito inteligente”, completa Aline.

Mas, vale ressaltar que o tempo de adaptação protésico varia de acordo com as características de cada um. Uma criança que nasceu com malformação em membros inferiores, por exemplo, terá maior dificuldade para se ajustar as próteses, uma vez que ela primeiro terá que aprender a andar.

“Vivemos muitas vitórias dia após dia. Quando a Maria Eduarda começou a andar, quando ela aprendeu a andar de bicicleta, a primeira apresentação de balé, depois ela jogando futebol e pulando corda, ou seja, vê-la tendo uma infância tão ativa e feliz é nossa maior realização!”, compartilha Ana Paula. “Amputação não é limitação. Limitação está na cabeça da gente e o filho só se sentirá assim, se olharmos para ele desta forma. Eles podem tudo!”, finaliza.

“A relação da Bettina com a prótese é muito simples e quando começa a machucar, ela fala ‘mamãe, tá doendo’, daí já sabemos que está na hora de fazer novas adaptações”, diz Carla. “Ela nasceu sem o pézinho, então ela só se conhece com a prótese. Nossa maior vitória foi vê-la andar, correr e brincar naturalmente”, encerra.

Vanessa também considera o fato do filho Arthur conseguir brincar e ter autonomia durante o dia, foi sua maior conquista. “A melhor sensação foi quando vimos a força de vontade dele. 20 dias após a protetização, ele largou o andador e saiu andando sozinho dentro do supermercado. Ninguém mais o segurou desde então”, termina.

Sirlene também deixou um conselho para os pais que estejam passando por situações semelhantes às retratadas. “Não se assustem, ter um filho com malformação não é um bicho de sete cabeças. Não é a falta de um membro que vai tornar a vida deles menos feliz. O nosso amor cura tudo. Hoje eu sei que o Caleb vai sim conseguir estudar, ter uma profissão e até mesmo se casar”, conclui.

E mesmo que a família não tenha condições de investir em uma prótese ortopédica para melhorar a qualidade de vida do filho, existem alguns meios para adquirir tal componente também.

“É possível a aquisição de uma prótese para promover a bilateralidade, que auxilia no equilíbrio durante o tratamento. Buscar informação com o pediatra, associações e grupos; induzir a criança a praticar esportes que auxiliam na inclusão, na autoestima e no desenvolvimento psicomotor; procurar saber dos direitos dos deficientes também traz grande conforto”, complementa Marta.

Sabemos que esperar o nascimento de uma criança é um momento especial. Muitos pais fazem vários planos antes de descobrir o gênero do bebê. Entendemos que receber a notícia da malformação congênita ou eventual amputação ainda durante a infância não faz parte do planejamento de nenhum pai, porém, ter a resiliência para enfrentar as adversidades, é primordial para lidar com a ausência dos membros corporais dos filhos e acima de tudo, para amá-los incondicionalmente.

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